Por Ricardo Coelho dos Santos*
Para começar, confesso que não gosto de ser chamado de “turista”. Não porque despreze a prática do turismo e muito menos tenho preconceito contra turistas. Aliás, tenho a opinião de que todo turista deve ser bem tratado, pois, mais do que lembranças e fotos, ele leva consigo a imagem da cidade visitada, do estado e até de todo o país. Recentemente, li na Internet, não sei a confiabilidade da fonte, que o Rio de Janeiro é a pior das grandes cidades do mundo para serem visitadas. Se isso for verdade, seria uma vergonha para todo o país. Mas, diante de tantos problemas de segurança lá apresentados, com repercussão nacional, talvez essa afirmação não esteja tão longe da realidade.
Problemas semelhantes encontramos em São Paulo e, agora, para minha surpresa, até em Porto Seguro, na Bahia.
Todos esses lugares possuem atrativos turísticos indiscutíveis, e, diante da falta de uma política de segurança pública, aquilo que atrai os turistas atrai também os interesseiros. Costumo dizer em cursos e palestras que o mel que atrai as abelhas, atrai as moscas.
É uma pena. Rio de Janeiro é lindo. São Paulo, exuberante em vida. Porto Seguro tem sido referência há anos como local de visita. Só resta lamentar quando se afirma que a maior indústria do Brasil é o crime.
Mas não é nessa seara que vou entrar. Deixo para pessoas com muito mais competência para analisar essa nossa má fama nacional e aqui relatar uma experiência interessante que tive recentemente numa viagem aos Estados Unidos. E confirmo que não sou turista! Prefiro dizer que sou “viajante”. Não fui para Nova Yorque nem para Orlando, não estive no Grand Canyon (um dia, quem sabe…) muito menos em Las Vegas para arriscar uns trocados numa máquina caça-níqueis! Como viajante, estive no meio oeste norte americano, onde, em visitas a amigos, experimentei linguiça de veado entre goles de uísque. Lá se consome grilos secos com sabor de bacon (não comi… me neguei a experimentar) e o único ônibus que se encontra é o escolar. É onde caminhões gigantescos cruzam estradas, uma delas construída sobre a histórica e ainda icônica Rodovia 66, e muitos moradores usam chapéus de vaqueiro. Local onde muitas casas e até o aeroporto possuem abrigos para tornados e as crianças, atrás de doces, batem de porta em porta no halloween, uma festa familiar e patrocinada pelas igrejas.
Não é um lugar turístico para se fazer propaganda no Brasil. Mas é um lugar que me encheu de gosto, viajante que sou!
Entretanto, nessas regiões se faz turismo. E muito! Dá-se a impressão que se aproveita cada centímetro quadrado da região para se fazer turismo. E o que tem de se ver por lá?
Para começar, é uma região histórica. E justamente pela história que se aproveita a mais poderosa, econômica, eficaz e emocionante forma de turismo existente: o turismo local. Turismo para viajante!
Vamos começar com uma provocação: quantos capixabas sabem quem foram Domingos Martins, Afonso Cláudio e Attílio Vivácqua? E mais ainda: quem sabe onde nasceu João Calmon? E quem foi João Calmon? E Darly Santos, Carlos Lindenberg e Florentino Avidos, que dá nome a duas pontes no estado? Todos esses nomes são de locais conhecidos e pessoas desconhecidas. Andamos sobre ruas que trazem História e nem nos preocupamos em saber o porquê!
A cultura do povo norte-americano não é maior que a nossa. E até sobre isso o turismo se aproveita!
Eles aproveitam a sua História enriquecida por um nacionalismo forte — sentimento que é fraco entre nós e, infelizmente, agora aproveitado politicamente no nosso país. No Brasil, o desconhecimento sobre as nossas personalidades históricas é tamanho que deixa margem a informações falsas e tendenciosas, além do prazer mórbido de se desmoralizar as nossas riquezas, inclusive nossa História. Por exemplo, já escutei mais informações detraindo o grande herói Duque de Caxias do que ressaltando sua coragem, patriotismo e importância. Uma pena!
Então, o que vemos por lá? Nas bem conservadas rodovias norte-americanas, encontramos, além das placas indicativas das entradas a cidades, informações complementares sobre essas. Eu mesmo passei pelos lugares onde nasceu o presidente Ronald Reagan, a terra onde Abraham Lincoln se fez politicamente e onde nasceu o ator Marion Robert Morrison — o John Wayne. Se tomar tal conhecimento emocionou a mim, como não emocionaria a um americano típico que, com cultura, iria querer ver o local de perto. E, portando somente curiosidade, adquiriria cultura e pessoalmente transmitiria essa emoção aos conhecidos através de relatos e, principalmente, fotos!
Visitamos o museu John Wayne e a casa onde ele nasceu. Me deu vontade de comprar todos seus DVDs! Lá, encontramos uma mostra da sua importância para o povo norte-americano, seus filmes e suas atitudes políticas carregadas de ética. Um pedaço do cenário do belíssimo filme “O Álamo”, de 1960, que ele produziu, dirigiu e interpretou estava lá exposto e até me deixei fotografar diante dele. Me recordei das aulas de História do Irmão Marista Wagner Ribeiro, que relatou que na Guerra do Paraguai tivemos também o nosso Álamo: um pequeno grupo de soldados brasileiros segurou heroicamente até o último homem o exército invasor, causando uma baixa tão significativa na armada de Solano Lopes que eles não tiveram condições de enfrentar uma segunda batalha. Não sei se já produzimos algum filme sobre esse feito!
O norte-americano valoriza seus filmes. Numa loja de caça e pesca, enorme, por sinal, encontrei uma exposição de armas originais usadas em películas. No museu de John Wayne, achamos panfletos sobre as Pontes de Madison, assunto de um belíssimo filme de Clint Eastwood. Quisemos saber qual seria a ligação entre o mais famoso caubói do cinema com o filme dirigido pelo segundo mais famoso caubói. Aliás, um aviso: “As Pontes de Madison” é um tocante conto romântico. Eis que a atendente informou que nós estávamos lá, em Madison. Poderíamos contratar guias que nos levaria a todas elas. Preferimos ir pelos mapas e revivemos aquelas cenas icônicas que emocionaram o mundo.
Outra forma de abordagem está na atividade comercial. Não podia ser de outra forma! Passei, com a família, em um local que anunciava numa placa enorme ser o maior estacionamento de caminhões do mundo. Um realmente enorme posto de abastecimento com vários restaurantes e uma loja com vários, digamos, departamentos, vendendo desde brinquedos a equipamentos necessários para motoristas. Tinha até cinema e exposição de vários tipos de veículos!
Lembranças com mapas carregados de desenhos ressaltando os pontos de maiores interesses, camisetas, bonés, chaveiros e outras lembranças alusivas ao local a gente encontra nas várias lojas de conveniência que vendem de combustível a lanches. Há redes nacionais espalhadas pelas rodovias com anúncios em postes com mais de trinta metros de altura convidando o motorista a minimamente visitar seus banheiros rigorosamente limpos, alguns até com chuveiros.
Mesmo nos zoológicos encontramos aproveitamento comercial. Em todos os quatro que já visitei nas minhas andanças por lá, encontrei lojas que vendem bichinhos de pelúcia ou pano para as crianças e alguns adultos, digamos de passagem, se lembrarem da visita. Em zoológicos públicos, não se cobra impostos sobre a venda.
O que mais ressalta são as relações e revelações históricas norte-americanas. Na cidade de Independence, no Missouri, encontramos uma prisão que reteve Jesse James. Por perto, pode ser visitada a caverna onde ele e seu bando se escondia e onde foi realizado um filme com Lassie. Lá, existe um salão com uma parede com o formato curioso de mapa dos Estados Unidos, em que aproveitam para apresentar uma sessão de vídeo patriótico. Também, nas cercanias, está preservado o Fort Osage, com uma bela visão do mesmo rio que dá nome ao estado. Era um entreposto comercial para as caravanas que partiam para o Oeste. Até hoje, se celebra por lá a partida dessas caravanas, numa festa que é prestigiada até por Presidentes do país. Em Saint Louis, para se lembrar dessas incursões, foi construído o famoso arco, mais alto que o Morro do Moreno. Um visitante pode pagar para visitar seu topo e descortinar uma bela visão da cidade e do rio Mississipi.
Portanto, há uma grande exploração do turismo interno baseado na História Norte-Americana. Como já disse, essa é uma atividade poderosa, porque mexe com mais íntimo que existe em um povo, que é seu orgulho. É uma atividade muito econômica e autossustentável, pois qualquer visita, mesmo em logradouros públicos, é cobrada para a devida mantença. É eficaz porque dá certo. E é emocionante, pois pisar onde se nasceu uma celebridade, onde se ocorreu um evento histórico ou mesmo por onde passou um bandido famoso ou se tornou referência a um livro ou a um filme faz o coração bater mais depressa e nos oferece motivos para boas conversas.
Uma das grandes características do amor à História nos Estados Unidos é que eles valorizam a atitude do indivíduo diante do acontecimento, sem questionar o porquê dos fatos. Não se pergunta o porquê da invasão do General Santanna, se ele estava ou não certo, mas homenageiam os que o combateram até à morte, como o Coronel Davy Crockett, Jim Bowie e o Coronel Travis. Não se preocupam acerca do porquê das guerras que o país tanto se envolve, mas o Dia dos Veteranos é um feriado muito comemorado e nos restaurantes e bares há estacionamentos e lugares especiais para eles se sentarem.
Eis uma filosofia que dá certo. Para o orgulho nacional, eles enxergam quem construiu o país. Nenhum governo construiu alguma coisa na vida: foram as pessoas que fizeram isso, e eles estão cientes dessa verdade. Então, é o cidadão que se arrisca e que realiza que é alvo das homenagens e das referências que impulsionam o turismo. Então, até nisso a educação influencia.
E aqui, no Espírito Santo, passamos diante de Baunilha, Venda Nova do Imigrante ou mesmo da conhecidíssima Cachoeiro de Itapemirim sem um aviso sobre tantas pessoas importantes que saíram desses lugares. Em Vila Velha, o Museu Homero Massena está se recuperando do abandono, mas ainda faltam referências a Maurício de Oliveira e Ivan Reis, poucos conhecem Ernesto Guimarães ou Eugênio Pellerano e um turista ou viajante de outro estado terá de procurar onde viveu Rubem Braga ou Roberto Carlos por iniciativa própria, sem ter sua curiosidade despertada pela mídia turística.
*Engenheiro e Escritor.
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