Por Ricardo Coelho dos Santos*
A primeira iniciativa do Escotismo no mundo se deu em agosto de 1907, quando o militar inglês Robert Stephenson Smyth Baden-Powell, aproveitando a enorme fama adquirida em campo de guerra na África do Sul, aplicou a educação montessoriana que ele estudara, devido à necessidade motivacional dos jovens ingleses e que os da bombardeada cidade de Mafeking, que ele defendera brilhantemente, tinham de sobra.
A ideia dele era simples: os jovens mais integrados à natureza descobrem mais precisamente seus potenciais e se tornam responsáveis pela sua própria educação. Baden-Powell não tirou isso do nada: além de Maria Montessori, ele também aplicou John Dewey.
O programa deu certo. Deu certo até demais, e, imediatamente, o Império Britânico via jovens patriotas surgirem em todos os lugares e ocasiões, garantindo o futuro da Coroa e merecendo a citação real: “Deixe estar, que a velha Inglaterra ainda está de pé!”.
Em seguida, dois anos depois, o Escotismo saiu do Império que o sol não se punha e foi adotado no Chile. No ano seguinte, já estava no Brasil. Hoje, podemos dizer que o Escotismo só não está em Cuba, na Coreia do Norte, na China, no Laos, em Mianmar e em Andorra, dentro do seu território, mas com uma organização reconhecida.
A Primeira Grande Guerra vitimou vários escoteiros de todas as idades, inclusive aqueles que tinham participado do histórico acampamento de 1907, na ilha de Brownsea, já adultos. Porém, a Segunda Guerra foi pior para o Movimento, pois seus jovens, educados para serem protagonistas na sociedade, passaram a ser perseguidos por um regime fascista, com fortes cultos às pessoas dos grandes líderes nacionais. Em vários lugares invadidos pela Alemanha de Hitler, os rapazes foram executados. Na Polônia, os Chefes Escoteiros formaram uma linha de resistência ao nazismo, com apoio dos pais dos rapazes.
No término da Guerra, foi necessário se fazer um apanhado. O Escotismo ainda existia? E a resposta foi que sim. Existia e até tinha crescido.
E não parou de crescer. A expansão de países que adotavam o regime stalinista que, por características do seu autoritarismo não poderia aceitar jovens educados dentro de uma visão crítica, não diminuiu a força do que é o maior movimento jovem do planeta, com 57 milhões de participantes. O Escotismo já foi à Lua e está até nas agressivas regiões polares. Com a queda da Cortina de Ferro, jovens logo se apresentaram e deram imediato retorno ao Movimento. Existem até associações escoteiras de países inexistentes, como a Palestina, ou onde, por questões culturais, reconhece a importância do Escotismo, mas não podem adotá-lo em seus territórios, como a já citada Andorra.
Líderes mundiais se manifestaram a favor do Escotismo. E muitos foram membros ativos, como John Kennedy e Barack Obama. Então, esses jovens tinham simpatizantes como Winston Churchill, Mahatma Ghandi e outros famosos como John Lennon, Sérgio Vieira de Mello e Bear Grylls. No Brasil, temos como embaixadores do Escotismo o apresentador Celso Cavallini e os atores Luís Miranda e Maria Paula.
O Escotismo, então, sobreviveu, e bem, a duas Guerras Mundiais, a sangrentos conflitos locais, como a Revolução Constitucionalista de 1932, e à famigerada Gripe Espanhola, em 1918, com a participação heroica de muitos jovens. E está sobrevivendo à recente pandemia do Covid-19, cujo término ainda não foi decretado.
Devido à pandemia, no Brasil, os Escoteiros viram partir, com profunda tristeza, muitos membros queridos, quase todos com comorbidades, e que eram tão ativos como suas limitações permitiam. Não é raro encontrarmos adultos voluntários, com mais de quarenta anos de atividades, que dão prosseguimento às excelentes convivências propiciadas entre os Escoteiros, oferecendo apoios gratuitos tanto no campo educacional como no administrativo. E foram muitos desses, que conquistaram um forte amor fraterno entre seus pares, que se foram. Passaram para o que se chama de “acampamento eterno”.
Dentro do espírito de grande disciplina existente no Movimento Escoteiro, decidiu-se tomar a mais cáustica das resoluções: Unidades Escoteiras de todo o país fecharam suas portas. Algumas dessas, com poucos recursos financeiros, passaram a ter atividades virtuais restritas somente entre os voluntários adultos. Já em outras comunidades, com um pouco mais de recursos, prosseguiram com tarefas caseiras. Um Grupo realizou um grande acampamento com todos em casa. Montaram barracas com roupas de cama e cumpriam os desafios propostos sem saírem dos seus quartos. Em geral, os adultos também passaram a frequentar Cursos Escoteiros na modalidade EAD (Ensino à Distância) e participaram de encontros locais, regionais, nacionais e até mundiais usando plataformas de comunicação de vídeo, além das eleições previstas nos estatutos da União dos Escoteiros do Brasil.
Porém, não se pode afirmar que nessas condições os interesses se mantivessem nos mesmos níveis anteriores ou se encontrassem meios positivamente propícios para se manter crescimento dentro da meta de se alcançar um efetivo de 200 mil membros no Brasil. As metas foram frustradas, mas, com o fim da pandemia, a reação foi imediata sem ter sido explosiva. De 2021 a 2022, o crescimento numérico foi de 33%, e continua crescendo a ponto da barreira dos 200 mil estar a ser rompida a qualquer instante.
No Espírito Santo, nesse mesmo período, o crescimento foi de 37%, experimentando 12% a mais de voluntários adultos, e isso se transformou num desafio a mais para a Diretoria Regional: como nivelar a todos como se deseja? O Escotismo não é matéria teórica constante exclusiva de livros, apesar da farta literatura existente. Escotismo é vivência educacional prática nos campos social, técnico, afetivo e espiritual, onde o jovem encontra oportunidades de formação do seu próprio caráter. Escotismo se faz em ações e não somente em intenções. Se aprende fazendo! Portanto, foi necessário um urgente treinamento de adultos para propiciar aos jovens o que eles gostam e precisam. A Região Escoteira do Espírito Santo mostrou uma rara competência nos Cursos EAD, a ponto de oferecer também para outras regiões em outros estados. Muitos adultos, durante a pandemia, foram treinados no campo teórico sobre a prática educacional do Escotismo. Faltava a parte prática.
Em junho passado foi realizado presencialmente em Colatina um Curso Avançado para Escotistas, os chamados Chefes Escoteiros, e Dirigentes, o pessoal que administra o Escotismo em todos seus níveis. Nesses cursos ficaram latentes a necessidade de prática.
Em agosto, no encontro regional de adultos voluntários do Movimento Escoteiro, encontro esse denominado de Indaba, se discutiu a aplicação imediata de treinamento prático, com resoluções que encontraram consenso imediato e absoluto. Já estava marcado para adultos em setembro um Curso Técnico de Atividades, evento feito exclusivamente acampado, que esbarrou na falta de Formadores, ou seja, quem ministrasse tal curso, uma vez que a demanda está bem maior que a oferta. Foi resolvido isso usando-se o recurso de antigos voluntários mais um pessoal prático que, entretanto, nunca esteve antes na pele de treinadores de outros adultos nesse nível. A quantidade de alunos superou de tal forma a capacidade do Curso que se formou uma fila de espera para o próximo.
E, para o ano que vem, haverá o retorno de uma série de outros cursos práticos, os de Imersão, que se tornaram desnecessários há até pouco tempo, mas que agora se mostram importantes, além do famoso e tão procurado Acampamento Regional Capixaba, em que várias unidades escoteiras de outros estados se preparam para também participarem.
E, nesse meio tempo, aconteceu também em agosto, na Coreia do Sul, o 25º Jamboree Mundial, um encontro de Escoteiros de todo o planeta. Não houve participação capixaba, mas muitos brasileiros foram. Enfrentaram um tufão e nem por isso queriam sair desse ambiente fraterno, sadio e incrivelmente resiliente que é o Escotismo, seja em Vitória, seja em Seul.
*Engenheiro e Escritor, autor de “A Montanha dos Três Mestres”, “O Viajante”, dentre outros contos e inúmeros artigos para periódicos