Por Aylê-Salassié F. Quintão
Até o final de 2017 acreditava-se que “deduragem”, “leviandade” e “chantagem” eram adjetivos que distinguiam e desqualificavam os sujeitos que praticassem tais ações. Não são. São substantivos, de acordo com o dicionarista Silveira Bueno. Pois estamos começando 2018 com essas práticas sendo naturalizadas e até institucionalizadas, ganhando materialidade. A crise contribuiu para dar sentidos novos à palavras e conceitos que empobrecem as virtudes da cidadania. “Deduragem”, inspirada em traição, ganhou status jurídico de colaboração premiada e de acordo de leniência; “leviandade” tornou-se um instrumento comum nos embates ideológicos; e “chantagem” uma palavra saída dos porões da criminalidade, passou a ser manipulada como estratégia de marketing ou de lobby.
“Liberar recursos de bancos públicos em troca do voto não é chantagem, é “ação de governo”, explicou ministro Carlos Marun, chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, após participar de uma reunião com o Presidente no Palácio do Planalto. O encontro tinha o objetivo de discutir a liberação de créditos em bancos do Estado para governadores e parlamentares, com o fim de obter apoio para a votação da reforma da Previdência, no dia 19 de fevereiro. Marun admitiu que está usando a Caixa Econômica Federal como moeda de troca: “São ações de governo”, insistiu . No Planalto e na Câmara há um esforço concentrado, aparentemente sem limites, para conquista dos 308 votos necessários a aprovação da nova Previdência.
Como advogado, supostamente conhecedor da origem latina dos vocábulos que compõem a língua portuguesa, talvez Marum tenha razão. Do Latim, passando pelo português arcaico, pelo nhengatu, e pela língua brasileira descoberta pelos modernistas houve, provavelmente, uma evolução dessas palavras-conceitos que orientam o comportamento social. Mas o cidadão comum conectado, que leu as declarações do ministro no Yahoo, tem outro entendimento. Uma amostragem de opiniões, coletadas no Yahoo, revelou que :
S: É corrupção, é antiético, é roubalheira, é negociata, é incompetência, má gestão do dinheiro público.... E: ...dinheiro dos impostos arrecadados é da UNIÃO/ CIDADÃO e não de um partido ou suas coligações. O MP, deve investigar... J: ... é ação de governo corrupto. C: ...conversa de político corrupto... mostram sua verdadeira face ! J : desvio de dinheiro da ... educação, transporte, segurança e saúde. G: Put@ri@ e S@canagem agora mudaram de nome!!!!.. L: ...Cabe responsabilizar o governo caso as pessoas sejam prejudicadas em algum tratamento medico ou mesmo vir a óbito...C: Nenhum ladrão acha que roubar é crime... nunca é ilegal ou imoral. H: Agora entendo o que aconteceu na Turquia, ... H ...Falta de respeito com o contribuinte. R: Devem ser cassados e presos por mentirem, enganarem, chantagem... "INTERVENÇÃO MILITAR URGENTE". Depois de agressões quase impublicáveis, um segundo grupo reagiu também: R: ...estão privatizando a previdência... a Petrobras está entregando produtos adulterados ... estamos andando em circulo ou estamos no circo? N: ação para desviar + dinheiro e atender os interesses escusos !!!! M: ...os políticos não abaixam o salário deles. J:
Triste ver o tipo de "convencimento" que o governo usa em nosso país ! Vale lembrar que utilizar bancos oficiais como instrumento nessas ações se constitui crime...do mesmo tipo cometido pela Dilma - "Pedalada Fiscal".... M: vamos reformar, colocar os políticos para aposentar igual o povo, ganhando dois salários mínimos, e vamos reduzir o numero de deputados. C: ...desfaçatez de uma classe que se habituou ao ilícito.... ALS: ...os ministros do STF não podem permitir isso. DSP: O bandido por profissão e ministro nas horas vagas declara que barganhar apoio com recursos dos fundos públicos...é para atender aos interesses do governo, pior ... é ver nossas autoridades não se pronunciarem..., o pais está perdido..
Na realidade, a prática começou no governo FHC, na votação justamente da reforma da Previdência. Propagou-se pelos governos Lula, também na Previdência. Entrou pelo governo Dilma, no impeachment e aprofundou-se na gestão Temer, nas votações das reformas política e da trabalhista e nas autorizações ou não do Congresso para o julgamento, pelo Supremo, do processo contra Temer, resultante das delações dos irmãos Batista. Mesmo reconhecendo a importância da reforma da Previdência, é preciso admitir que o argumento de Marum não se sustenta, nem mesmo entre aqueles que tendem a aprovar o governo Temer. A atitude do ministro atropela eticamente a formação do brasileiro na escola e na família, que não deve ser violentada por casuísmos, decretos-lei, nem medidas provisórias. É urgente retomar, de alguma forma, o mundo das virtudes, antes que o País se desintegre moralmente nas próximas eleições.
* Doutor em História Social, Professor e Jornalista.