Pilar Carolina Villar Lainé*
Apesar dos avanços tecnológicos e da causa ambientalista, a gestão ambiental pública e privada tem deixado a desejar, seja pela dificuldade de implementar as políticas ambientais, a flexibilização de leis ambientais ou ocorrência de graves acidentes.
Atualmente tramitam no Congresso Federal dois projetos com potencial de destroçar um dos principais instrumentos de gestão, o licenciamento ambiental. O primeiro deles é Proposta de Emenda Constitucional, a PEC nº 65/2012, que incluiria o parágrafo 7 no art. 225, com a seguinte redação "§ 7.º A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente. (NR)". As consequências dessa inclusão são desastrosas pois a mera apresentação do estudo prévio de impacto ambiental autorizaria o desenvolvimento de uma obra ou atividade com potencial lesivo ao meio ambiente, sem qualquer análise da qualidade do estudo ou dos impactos apresentados. O parágrafo também veda a suspensão ou cancelamento da execução da atividade pelos órgãos ambientais e até do Poder Judiciário, o que neste caso vedaria a própria tripartição de poderes.
Também tramita no Congresso Nacional, o Projeto de Lei PL n. n. 654/2015 que cria um “licenciamento ambiental especial" para os empreendimentos de infraestrutura considerados estratégicos e de interesse nacional. Esse projeto simplifica perigosamente o licenciamento para obras de interesse público, pois o restringe a uma única fase, reduz consideravelmente os prazos de avaliação da viabilidade técnica e transforma a forma como se da a participação social nesse processo.
O PL n. 654/2015 estabelece que projetos relacionados aos sistemas viário, hidroviário, ferroviário e aeroviário; portos e instalações portuárias; energia; telecomunicações e exploração de recursos naturais se submetem a uma licença única. Se por um lado essa modificação pode trazer celeridade, pois põe fim a licença prévia, de instalação e de operação; por outro inviabiliza a avaliação e discussão de projetos, que reconhecidamente causam graves impactos ambientais, bem como dificulta o acompanhamento do cumprimento das condicionantes ambientais.
Além disso, o órgão ambiental estaria obrigado a concluir o processo de licenciamento em 230 dias, caso contrário se presume a concordância com o projeto. A concessão de uma licença pelo decurso de prazo legal de análise, sem o exame do mérito do procedimento contraria todo o sistema jurídico ambiental. O meio ambiente não é um direito disponível, portanto a decisão de projetos desse porte deve ser fundamentada em estudos e debates adequados .
No tocante a participação social, abre-se o precedente para substituir as audiências públicas por um Programa de Comunicação Ambiental. Não há detalhes sobre esse Programa, porém aparentemente ele retira o protagonismo da sociedade para transferi-lo ainda mais ao empreendedor, que apenas enviaria um relatório sobre a prestação das informações à sociedade.
Tais projetos prejudicam importantes conquistas socioambientais e colocam em risco o patrimônio ambiental brasileiro, além de não enfrentar problemas centrais como a morosidade em regulamentar a legislação sobre o tema, a fragilidade dos órgãos ambientais, especialmente em tempos de crise econômica, e a resistência do poder público em fomentar processos participativos e de negociação de conflitos.
Esses projetos possuem consultas públicas abertas na página do senado. No caso da PEC 65/2012 é possível votar contra ou favor do projeto no link:
http://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaotexto?id=120446.
No PL 654/2015, a votação pode ser realizada no link:
http://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaotexto?id=179518
Além disso, há abaixo-assinados de repúdio a esses projetos na internet. A mobilização social contra essas iniciativas é fundamental para impedir esse grave retrocesso ambiental que ameaça o direito fundamental ao meio ambiente e predispõe a ocorrência de graves danos ambientais.
*Doutora e Mestre em Ciência Ambiental pela USP. Especialista em Instrumentos e Políticas de Gestão Ambiental pela Universidade CEU San Pablo (Espanha). Professora da Universidade Federal de São Paulo. Atua também nas áreas de políticas públicas, direito ambiental, direito internacional do meio ambiente, gestão ambiental, educação ambiental, planejamento urbano e especialmente recursos hídricos